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Violeiro compartilha memórias, inspirações e reflexões

Entrevista Exclusiva: Arnaldo Freitas – A Voz contemporânea da viola caipira no Brasil

Violeiro compartilha memórias, inspirações e reflexões sobre o cenário da música de viola e o sertanejo raiz

Em entrevista exclusiva ao Portal Festanejo, Arnaldo Freitas, um dos maiores violeiros do Brasil, revela detalhes de sua trajetória, marcada por encontros inesquecíveis com grandes nomes da música caipira.

Nascido em Echaporã (SP), o instrumentista, diretor musical e compositor é reconhecido pela versatilidade e pela técnica inigualável, que o consagrou como referência na viola caipira dentro e fora do país.

Arnaldo relembra as lições aprendidas no programa Viola Minha Viola, suas inspirações musicais que incluem Tião Carreiro e Bambico, e reflete sobre o vigor atual do sertanejo raiz. Ele também fala sobre a importância da viola como patrimônio cultural e comenta os desafios e conquistas para sua divulgação no cenário nacional.

Uma entrevista para os amantes das tradições musicais brasileiras e para quem deseja conhecer mais sobre o universo da viola.

Todos estes anos de convívio com grandes nomes do sertanejo raiz, inclusive no programa “Viola Minha Viola”, trouxeram um rumo na tua vida profissional?

ARNALDO FREITAS: Sim, trouxeram um rumo. Até hoje fazem a diferença, todos que passaram pelo ‘Viola Minha Viola’ foram uma escola pra mim, porém, até antes do próprio programa mesmo, os músicos que eu conheci na noite de São Paulo, tocando nas rodas, nos interiores aí, acho que cada músico traz uma história diferente pra você, desde os mais famosos aos que não são tão famosos, porém, que tocam relativamente tanto quanto ou até muito melhor do que os que têm muita fama. Mas ali no Programa Viola Minha Viola, óbvio que a pressão era um pouco mais diferente, porque a gente tinha que tocar pra resolver mesmo, né, então acredito que esses músicos foram e são essenciais para essa questão minha, para minha maturidade musical.

Quais suas maiores referências musicais que fizeram você escolher a Viola em tua vida?

ARNALDO FREITAS:  Minhas maiores referências, sem dúvida, são Tião Carreiro e Bambico. Foi o que me fez me apaixonar pelo som da viola, o som da viola do Tião Carreiro nos discos, depois eu vim saber que muitas vezes era o Bambico tocando, um grande violeiro que trabalhava nos estúdios e gravava para o Tião. Então eu acho que, primeiro de tudo, aquela viola que me encantou antes mesmo de eu tocar, foi o som dessa viola, que fez eu identificar o som desse instrumento e querer para a minha vida toda ser violeiro. Lógico, a partir do momento que eu comecei a tocar, fui buscar outras influências, como Renato Andrade, Almir Sater, Roberto Correia, e daí vem para a nova geração também, grandes outros violeiros que são meus amigos, Marcus Biancardini, Leandro Valentin, e tantos outros aí que eu admiro muito.

Acha que o sertanejo raiz ainda tem força para conquistar um público jovem?

ARNALDO FREITAS: Não só tem força, como existem muitos jovens tocando viola. Eu acredito que a viola tá mais forte do que nunca até nesse momento. A música sertaneja, mesmo, com a questão do universitário, propaga de certa forma a música caipira, porque ‘pôs um chapéu e tocou uma viola’, independente, enfim, você acaba associando aos que começaram tudo. Porém acredito que a música raiz, a música sertaneja de viola mesmo, essa aí ela é como água no óleo, né? Ela não se mistura, é uma música muito mais elaborada, mais pura e hoje a gente tem muita questão do comercial. Não que isso seja uma coisa ruim, porém eu acho que a música raiz tá com tudo na mão da rapaziada aí, que tá vindo como os adolescentes, os jovens, como das crianças também. Nós estamos numa fase de ouro, acho que nunca se viu tantos violeiros tocando viola nesse momento. Tantas pessoas tocando que a viola é um dos instrumentos que mais vende no Brasil. Prova disso, é que as orquestras que existem por aí são inúmeras, e cada uma com 30 violeiros, 40 né, fora a parte dos violeiros que são solistas também que trabalham profissionalmente, os que têm a viola como hobby também. Mas enfim, a viola tá muito forte nesse momento. Quem falou que a viola tá morrendo é porque não conhece e não sabe não sabe o que tá acontecendo no cenário da música brasileira. A viola está mais forte do que nunca. Acho o Tião Carreiro um dos maiores ídolos, ele é imortal e se tornou um ídolo, aí virou tatuagem, está até no braço de muitos jovens, virou marca de roupa, uma coisa que não vejo acontecer com nenhum outro ídolo da música brasileira que já morreu, e isso porque a coisa tá cada vez mais forte. Com certeza a viola tá com tudo. Tudo mesmo!

Quais os lugares no Brasil em que a música de viola está mais forte? 

ARNALDO FREITAS: Os lugares do Brasil que a viola mais representa é no interior de São Paulo, é na capital de São Paulo, grande São Paulo, enfim, o estado de São Paulo, né, onde eu acredito que tudo começou. O advento da música caipira, depois vem também essa questão da música instrumental, as salas de concerto que abraçaram isso tudo. Mas a viola também é muito forte e tem uma linguagem bem castiça na região ali de Minas Gerais, norte de Minas. Acho que São Paulo, Minas Gerais, Goiânia, Mato Grosso, são as terras da viola. Mas São Paulo, ainda pra mim, na minha opinião, é o primeiro lugar. Aqui é muito forte, aqui é onde fervilham os festivais, são muitos teatros que têm eventos de viola que recebem esses projetos para concertistas, tanto da música instrumental quanto de duplas. São Paulo e Minas é o café com leite da viola.

Como escolhe seu repertório para os shows?

ARNALDO FREITAS: Meu repertório é escolhido conforme eu vou maturando algumas coisas, meu jeito de tocar algumas composições que vem surgindo ou composições minhas que não podem faltar nos meus shows né como a “Amanara”, “Conversando com Deus”, músicas que essa nova geração inclusive já toca então são músicas que traz a minha identidade, ‘Divisa das águas’. Então eu sempre escolho umas seis, sete músicas minhas e gosto de tocar também algumas coisas conhecidas. Nesses dias eu tenho notado que eu sou o maior divulgador realmente da música que eu faço então eu tenho optado em tocar mais músicas minhas do que de outras pessoas. Na verdade eu sou mais um compositor do que até mesmo um próprio intérprete. Mas eu gosto bastante de tocar as minhas músicas. Quando é um show no solo e no teatro, gosto de tocar sozinho e toco umas pensas mais. Mais variadas, né, com harmonias mais rebuscadas, com coisas mais contemporâneas, um feeling mais voltado, mesmo com essa viola um pouco mais elaborado tecnicamente e tal. Quando eu toco com outros músicos, com violão, percussão, eu gosto de ter possibilidade realmente de ter um acompanhamento e trazer uma nuance da viola mais caipira mesmo. É onde eu posso trabalhar mais os ritmos como cururu, pagode, toadas. Então, se eu toco sozinho, eu sou mais na linha contemporânea, se eu toco com outras pessoas, eu sou um pouco mais na linha tradicional. O repertório eu escolho conforme isso acontece, vai maturando. A gente vai tocando todos os dias e vai descobrindo que naquele momento você tá tocando melhor aquela música, ela tá falando mais com você aquela determinada música do que outra e aí você vai encaixando, né, até juntar umas 15, 16 músicas.

Você conta neste show a história da Viola no Brasil. Quando começou esta história?

ARNALDO FREITAS: Essa história que eu conto no shows, eu acredito que desde quando a Viola chegou aqui no Brasil para catequizar os índios, quando ela veio pela mão dos jesuítas e adentrou, mata dentro, já foi aspirando toda a nossa essência no som dos nossos bichos, do cheiro das nossas florestas. E sendo observada pelos primeiros que aqui já estavam, os índios. Então, depois ela sofreu todas as influências na mão do caboclo, a questão do negro e forjou o caipira, então traz toda essa questão de retratar essa nossa essência do início de verdade. E essa história começou lá no século 16, a partir do momento que o Brasil foi descoberto. Enfim, acredita-se que a Viola chegou no Brasil a partir do século 16. Essa é a história que eu quero levar no palco, trazer essa essência e homenageando também tudo isso que faz parte desse embasamento histórico que nós temos e também traçando um pouco da nossa contemporaneidade, que vai desde o Tião Carreiro ao Villa-Lobos.

 Quando compõem suas músicas qual a inspiração que busca?

ARNALDO FREITAS:  A inspiração que eu busco ela vem do momento que eu não escolho nunca assim, sabe, tipo, ‘agora eu vou comprar uma música com as harmonias mais diferentes agora’ ou ‘vou comprar uma música mais caipira’. Elas surgem. Eu gosto muito de ter contato com a natureza, a minha música fala muito com a natureza, sabe, músicas como “Terra”, “Clamor”, ‘Baleia azul”, ‘Jacuí’, elas têm essa conotação de som de bicho, entendeu? Acho que a natureza é a minha fonte principal de inspiração. É onde eu elaboro umas harmonias minhas complexas que para mim tem sentido demais tocar aquilo, para mim traz essa nuance das matas escuras, daquelas florestas ainda que não foi pisada pelo homem. Então eu procuro isso. Minha inspiração vem da natureza, principalmente. E obviamente de outras coisas que nós vamos ouvindo no decorrer da vida. Acredito que outras influências musicais acabam me moldando no jeito de compor, de pensar a música, como o flamenco, como a música erudita, onde eu vou absorvendo outras nuances de sons e trazendo para a minha esfera. E somando tudo isso. Para criar uma realidade, uma identidade particular minha, que eu acredito que é um fator primordial para cada músico, sabe?

O que você acha que deveria fazer para que houvesse maior divulgação da música de Viola no Brasil?

ARNALDO FREITAS:  A música de viola no Brasil, ela está crescendo. Acredito que ela está ganhando seu espaço nas redes sociais, nas mãos de grandes violeiros, que tem o entendimento dessa nova prática de divulgação, que é nova demais, as coisas estão acontecendo. Eu acredito que na televisão a viola tem sua força também. Eu trabalhei no programa aqui durante 30 anos, 33 anos, 35, se não me engano, que durou ‘Viola  Minha’ Viola. Era um programa quase praticamente líder de audiência no horário que passava. E até hoje as pessoas perguntam de ‘Viola Minha Viola’, então é algo que assim, tem muita força. E antes era na televisão, essa questão do Almir Sater fazer as novelas, enfim. As novelas que você percebe na Globo ultimamente, tem essa conotação da questão regional, caipira, né? Se você está propagando a viola, você está falando diretamente com o público brasileiro, aquele público regional mesmo, que é fiel às tradições. Fiel às suas raízes de verdade, que não se vende muito, que não se vende fácil, entendeu? E agora a viola está nas redes sociais. Acredito que ela está crescendo nas redes sociais e isso, para mim, é o que está trazendo a maior divulgação, ultimamente. E isso está acontecendo aos poucos ainda, não podemos dizer chegamos no máximo, né? Está sendo tudo muito novo, mas acredito que hoje, pelas redes sociais, que a coisa vai andar melhor.

Você não acha que os grandes shows do circuito sertanejo não estão dando espaço pra música de Viola?

Eu acredito que esses grandes shows, esses cachês milionários, eles usam um nome sertanejo, como eu falei, mas por uma propagação de uma coisa que deu certo lá com as duplas, enfim. Mas hoje o sertanejo não tem praticamente nada disso, não tem nada. Acredito que não é nem muito legal misturar viola com isso, porque meio que suja água, acredito, sabe, então a gente tem ouvido tantas coisas, umas letras meio apelativas. Principalmente para o trabalho que eu faço, que me preocupo hoje, é trazer a viola nas salas de concerto, para que as pessoas apreciem a música. Independente do tanto de público que der, eu acho que quem for, vai me encontrar ali dando sangue, dando a alma mesmo para mostrar, para gerar um valor emocional para as pessoas, um jeito diferente. Porque tem a galera é acostumada a ouvir música para beber cerveja. Veja e ficar louco, né? Eu quero fazer que as pessoas contemplem a música e vão pra casa com a alma lavada, sabe? Com um sentimento e com uma sensação, com sensações que elas ainda não tinham sentido através do som da viola. Fazer elas viajarem comigo no meu universo, propagar isso pra elas. Isso não está nesses grandes shows aí abertos. É lógico, se acontecer é muito legal, mas eu acredito que aos poucos a viola tem seu espaço. Ela já passou por muitas fases, a viola já passou, a música da viola já passou por lambada, já passou por pagode, já passou por samba, já passou por discoteca, já passou por tudo, por tudo. E hoje tá aí, na mão da rapaziada, cada vez mais forte, como eu falei. Então acho que falar que a viola não tem o seu espaço, acho que cada um tem como fazer seu espaço, na verdade, né? É que é uma questão de você não ficar falando muito do momento, acho que as pessoas que têm estado nesse espaço das músicas sertanejas, tem cantado o quê? Muita futilidade do que representa o nosso dia a dia hoje. A questão da pegação e, enfim. Eu não tenho nada contra também esse momento também entrar a favor, eu fico neutro nessa relação. Eu quero defender o meu espaço, que é realmente mostrar e valorizar a boa música através da viola. Eu não me considero parte desse movimento agora e tendo meu espaço pra fazer, pra mostrar minha arte. Lógico, correr atrás pra que isso se multiplique cada vez mais. Isso pra mim é excelente.

 Quais os shows programados para os próximos meses?

Os meus próximos shows agora estão marcados para o interior de São Paulo, Porto Alegre, estamos fechando Brasília e por aí vai. Quem quiser saber mais sobre os meus shows, onde eu vou estar, é só me acompanhar lá no Instagram @arnaldofreitasoficial

Estou muito focado e muito feliz em estar aqui realizando esse show pela primeira vez em São Paulo, que é o meu estado e essa capital maravilhosa que tanto já realizou meus sonhos, e que eu tenho um profundo carinho por essa cidade, por essa metrópole. E é isso, fico feliz com a entrevista, um abração para vocês todos. 

O artista

Arnaldo Freitas é instrumentista, diretor musical, arranjador e compositor. Estudou música na Universidade Livre de Música (ULM). Nascido em Echaporã (SP), é considerado um dos maiores violeiros do Brasil. Vencedor na categoria de melhor instrumentista no Festival Nacional Voa Viola, Arnaldo é eleito por especialistas e críticos como um dos mais versáteis violeiros da atualidade. Já atuou ao lado de grandes nomes da música brasileira, gravou diversos álbuns, com destaque para suas composições e viajou por países da Europa e América Latina. Arnaldo Freitas segue apontado como uma das grandes referências da nova geração de violeiros do Brasil

Em 2019, Arnaldo criou o curso online “Viola Brasileira”, onde ensina a técnica “Picado a 3 dedos”, da qual é uma referência. No ano de 2020, se apresentou no concerto “A Convite da Viola”, junto a grandes nomes da música caipira e brasileira, como Cacique & Pajé, Renato Borguetti e Alessandro Penezzi. No mesmo ano, Arnaldo lançou seu primeiro álbum totalmente digital, “No Terreiro de Casa”, do qual foi diretor musical. Também lançou os singles autorais: “Clamor”, “Piraputanga“ com Alessandro Penezzi, “Alma De Mulher” e “A Luz da Mata”. Em 2023 lançou o concerto “Brasil Profundo”, um espetáculo musical com um repertório autoral, músicas regionais consagradas, contando a trajetória da viola caipira no Brasil. Saiba mais em @arnaldofreitasoficial  

Serviço: Show Brasil Profundo com o Violeiro Arnaldo Freitas
Data: 21 de Novembro de 2024 (quinta-feira)
Horário: 19h30
Local: Teatro Leopoldo Fróes (Av. João Dias, 822, Santo Amaro – São Paulo)

Tags: Destaques | entrevista | Show | Viola Caipira
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