“Ela se reconheceu no livro e não teve medo de expor a si mesma” . Escritor conversou com exclusividade com o Festanejo
Com uma carreira consagrada, Inezita foi uma das primeiras mulheres a fazer história no cenário da música caipira. Quando pequena, se encantou pelo universo e cultura rural, e começou a cantar e tocar viola.
Em 1951 artista assinou com a gravadora Sínter, e chegou a lançar cerca de 100 discos. A trajetória de Inezita também foi marcada por sua passagem pela televisão, onde ficou à frente de programas na TV Record, TV Tupi, até chegar a TV Cultura, onde apresentou o clássico Viola, Minha Viola.
Inezita faleceu aos 90 anos, no dia 8 de março de 2015. Para celebrar e honrar a trajetória de uma das percursoras do sertanejo raiz, conversamos com Valdemar Jorge, autor de uma das principais biografias de Inezita.
Você escreveu o livro sobre a vida da Inezita. Como chegou na escolha do título – Inezita com a espada e a viola na mão?
Foram as duas características mais fortes da Inezita; A viola, que ela ia ouvir escondida, tocada pelos peões da fazenda, desde criança, e que depois aprendeu muito bem e que tocou a vida toda.
A espada da lutadora que ela foi desde o início, quebrando tradições, preconceitos na família, na vida, dirigindo um jipe e saindo viajando pelo
país. Se separando na década de 50, quando isso não ficava bem. Lutando durante os muitos anos do seu programa Viola, Minha Viola, para que a genuína música caipira predominasse. Fazendo shows até os últimos dias de sua vida.
Você também conviveu com a Inezita na TV CULTURA. O que observava nos anos de produção do programa dela?
Primeiro o prazer de cantar e encontrar com o seu público. Depois, a sua natureza de pesquisadora, de procura constante daquelas músicas escondidas ou esquecidas que ela trazia para o programa. E sua defesa incansável da música caipira e de raiz e dos grandes violeiros que ela trazia para o programa.
E para escrever o livro a entrevistou. O que mais o impactou nessas entrevistas?
Memória. Inezita se formou primeiro em Biblioteconomia, mas desde criança, 6 anos de idade, ela começou a fazer um diário sobre sua vida, juntando recortes e documentos de tudo que acontecia. Além disso, ela tinha as partituras de todas as músicas que cantava, arquivadas e separadas cuidadosamente. Eu poderia ter escrito mais um livro com todo material que ela tinha guardado.
Como a música caipira entrou na vida dela?
De muitas maneiras. Apesar de nascida na capital, ela tinha muitos parentes no interior onde passava as férias. E lá, ia com eles ouvir os desafios de viola com os trabalhadores da fazenda. Seu pai era amigo de Raul Torres, um grande pesquisador e cantor de músicas caipiras, que frequentava sua casa. Depois, o seu interesse, desde sempre, pelo folclore, muito influenciada por Mario de Andrade, um de seus ídolos, que, apesar
de morar perto de sua casa, nunca o conheceu pessoalmente.
O que ela achava sobre a música caipira na atualidade?
Ela sempre gostou da música caipira de raiz, com instrumentos acústicos e com letras elaboradas que falassem da alma do homem brasileiro, do interior e do campo. João Pacifico, Adauto Santos, Heckel Tavares, Raul Torres e Roberto Correa estavam entre seus músicos prediletos. Mas também gostava de músicos da nova geração como Renato Teixeira, Almir Sater, Daniel. Não gostava dessa música dita sertaneja, que na
verdade veio repetir temas da antiga jovem guarda, e com toda parafernália eletrônica disponível para o grandes shows.
Ela separava caipira, essa música do interior de São Paulo, Minas, Mato Grosso, Goiás, predominantemente, da verdadeira música sertaneja que é a que vem do sertão nordestino, com centenas de grandes músicos e compositores que ela gostava muito como Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira, Catulo da Paixão Cearense, Capiba e muitos outros. Outra música regional que ela gravou bastante e gostava é a gaúcha com seus cantos e danças tradicionais
Qual foi o comentário dela depois de ler seu livro?
Gostou muito, sem falsa modéstia, porque ela ajudou a escrever junto. Ela se reconheceu no livro e não teve medo de expor a si mesma e as suas ideias, às vezes polêmicas.
Havia outros livros que estavam sendo escritos sobre ela, mas este foi o
primeiro, amplo a ser publicado. E ela queria, além de todas as músicas que ela cantou, filmes que interpretou, programas que ela fez na TV e no Rádio, deixar um legado escrito. O livro teve essa missão.
Você considera a Inezita uma unanimidade como mulher que influenciou diretamente na música raiz?
Não tenho a mínima dúvida. Participar do programa da Inezita, o Viola, Minha Viola era uma chancela de qualidade para qualquer músico. Daí os muitos nomes que ela foi ganhando de rainha, patrona e madrinha da música caipira. Ela manteve viva a música de muitas duplas caipiras que não encontraram mais espaço nos meios de comunicação.
Ela considerava a música caipira uma das raízes da música sertaneja ou achava que uma não tinha a ver com a outra?
Ela respeitava muito Xitãozinho e Xororó, o Daniel que vieram das raízes caipiras e modernizaram suas músicas. Mas tem um trecho do livro em que ela menciona que vieram reclamar dela:
“– Ah, você fala muito em música de raiz, essas coisas de raízes na terra. Vocês parecem tatu! Nós somos modernos, comemos diretamente os frutos das árvores que vocês plantaram. “
e Inezita respondeu:
– É, mas se vocês não cuidarem das raízes, a árvore um dia vai parar de dar frutos, e aí como é que vocês vão fazer?”
Ela gostava de algum outro estilo de música?
Gostava da música brasileira em geral. Gostava da música mexicana de Miguel Aceves Mejia, Pedro Vargas, Adelina Garcia, músicos mexicanos que excursionavam muito pelo Brasil nas décadas de 40, 50, se apresentando em circos com muito sucesso e deixando influências de seu modo de cantar em duplas, como por exemplo, Pedro Bento e Zé da Estrada.
Inezita gostava muita da Bruna Viola. Sabe de alguma ou algum cantor ela gostava?
Daniel, Almir Sater e Renato Teixeira.
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